quinta-feira, 4 de outubro de 2012
Cegueira é Sofrimento?
O meu nome é Rosângela. Também sou mãe da pequena Laura que tem deficiência visual.
O motivo de eu estar lhe enviando esta carta é por que estive na missa celebrada pelo senhor neste último dia 01 de dezembro ás 19h, e durante a sua homilia eu pude contar sua citação por três vezes a respeito do "sofrimento" do qual padecem os cegos e "coxos", estes últimos, provavelmente, deficientes físicos. Confesso que aquilo me inquietou profundamente, primeiro porque a minha filha não é bem o exemplo de uma pessoa que "sofre" e isso pode ser atestado por todas as pessoas que a conhecem e não só por mim; Segundo porque ter uma deficiência, seja ela visual, auditiva, física, mental, é apenas uma característica na vida de uma pessoa, uma característica marcante porque determina diferenças no modo como essa pessoa se relaciona com o mundo a sua volta, mas apenas uma diferença, como todas as outras menos aparentes que todos nós possuímos. E é fácil constatar que em nenhum momento deficiência significa sofrimento e que ausência de deficiência não significa garantia de felicidade.
Mas, a minha preocupação e inquietação é bem maior do que pode parecer, não estou ofendida ou magoada com suas palavras, porque infelizmente elas ainda fazem parte de um "pré" conceito que muitas pessoas possuem a respeito do que é ter uma deficiência. A minha preocupação é porque um Padre é um líder comunitário, é formador de opinião, é componente importante de uma Sociedade, através dele muitas idéias são disseminadas e foi justamente por meio de um Padre que eu ouvi o que de pior uma pessoa com deficiência pode escutar: a idéia de que a deficiência determina uma vida de sofrimento e, portanto, quem não há de ter pena de quem está sofrendo?
É essa a luta de quem tem uma deficiência: Ninguém precisa de piedade, todos precisam de oportunidade. Ter uma deficiência faz parte da vida daquela pessoa, da mesma forma que ser obeso, ser magro, ser branco, ser negro, ser destro ou não, etc, etc, etc. Quem somos nós para atribuir o tanto que há de felicidade ou infelicidade na vida de uma pessoa?
Padre, por favor , veja o que as catequistas estão ensinando para as nossas crianças a respeito do que há na Bíblia sobre cegos e demais deficiências, porque hoje a inclusão escolar é lei e está sendo colocada em prática e para que ela dê realmente certo é preciso que todos colaborem. Graças a Deus , todas as crianças irão poder estar juntas na escola como sempre deveriam ter estado, porque são apenas crianças. É isso que importa para elas.
Já pensou um coleguinha falar para aquele que não ouve, não enxerga ou não anda, que ele aprendeu na Bíblia que quem tem uma deficiência tem um sofrimento ? Como vamos conseguir que nossas crianças sejam diferentes de nós e que não aprendam o "pré conceito" que aprendemos, se a elas forem ensinadas as mesmas coisas?
Gostaria de lhe dizer que não podia deixar passar a oportunidade de transmitir essa informação para uma pessoa tão importante como um Padre na construção de uma Sociedade que todos nós desejamos melhorar.
Desde já, muito obrigada pela sua atenção.
Rosângela.
Rosângela escreveu pela filha mas, na verdade, por todos nós. O que seria de mim, com27 anos de cegueira nessa data, se tivesse levado uma vida de sofrimentos? Tenho todos os sofrimentos e alegrias que todas as pessoas, embora socialmente a maioria me veja como um sofredor. Se eu sofresse minha cegueira tal qual imaginam, não teria mais espaço por sofrer por algo de ruim que aconteça com minha família, no meu trabalho, com amigos, a vida do dia a dia que é cheia de dores e vitórias. Meu cotidiano tem todos os problemas de todo mundo, acrescido de minha deficiência, não pelo fato de eu não enxergar, mas por ser visto como um coitado por não fazê-lo. O sofrimento que podemos ter e superar aos poucos não é imposto por nossa cegueira, mas por aqueles que não são cegos e pensam que carregamos o sofrimento do mundo. No entanto... a vida é tão boa!
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